Só as mulheres sangram

Só as mulheres sangram - Livro de Lia Vieira




A natureza é feminina em gênero e grau. Assim parece que Só as mulheres sangram, em silêncio ou em alvoroço. Mães, irmãs, guerreiras, heroínas, amantes, mártires, prostitutas, amadas e condenadas, admiradas e ignoradas, sangramos continuidades e persistências. Este estado constante cotidiano de ser e estar sempre se renovando em movimentos diuturnos, nos faz responsáveis pela criação e procriação. As musas da inspiração sopram belezas para os artistas reproduzirem.
Só as mulheres sangram, um jorrar ininterrupto que nos torna trans–e–lúcidas. Ávidas de vida. Infinitando toda a certeza dentro da grandeza e limitação. Com a crença na força da palavra e do verbo, constrói-se uma frase, uma página, um livro. Assim como uma lágrima constrói um oceano dentro de cada um, no vai e vem das ondas misturam-se quem chora e quem é chorado. Haja ondas! É neste oceano de movimentos ininterruptos que Lia Vieira se inspira retira e escreve as estórias no livro Só as mulheres sangram, como deixa explicita na dedicatória:
"Para aquelas que, hoje, sangram relacionamentos, solidão, medo confinamento espiritual, perdas exílio, violação, feridas, cicatrizes, dor. Para aquelas que proclamarão, a cada dia, o fim da exploração e da opressão e se moverão sobreviventes em direção à liberdade.”
A escrita de Lia Vieira vai sangrando nas folhas do livro escrevendo vidas, existências, resistências e reticências prosseguindo firme no legado de ser guerreira das palavras, soltando a verve, o verbo transmudado em espadas. É a loucura sã da escrita soltando o verbo neste universo que, às vezes, desune as mãos, fazendo sangrar. Deixo como exemplo o trecho do conto Maria Déia:
"Estou sozinha com a maçã e meus pensamentos. Estes são ácidos como aquela. A marca de meus dentes da polpa da fruta é perfeitamente visível. Outras marca há que sei que fiz.
Aos cinco anos, dei dentada no menino que me chamou: “Neguinha, gambá.”
Aos nove anos, no meu primeiro dia de feira, marquei de unhas a um moleque vendedor de pamonha e curau de milho, que, se sentindo valentão, disputou comigo o ponto de venda.
Aos doze anos, marquei com a cruz de tinta a casca de uma tartaruga do mato, soltando-a depois na esperança de, algum dia voltar a encontrá-la... E nunca mais!”


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